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Chá dos 3

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Angústia (continuação)


E graças a 5 pedidos (uau) aqui segue a 2ª da parte de Angústia (Parte 1 aqui). Espero que gostem.

Bjinhos, Tatá!

Quantas vezes eu teria que morrer para nascer de novo?

Já fazia três meses desde a minha decisão de morrer, mas eu andava sendo vigiada como uma prisioneira perigosa com poderes mediúnicos. Do banho ao sono, era acompanhada em todos os momentos. Bastava pegar um lápis e todos ficam na expectativa do próximo movimento. Será que eles achavam que eu me furaria com um lápis? Era patético até para mim. Nem sei como me deixavam depilar as pernas. Eu me sentia como um daqueles palhaços de rua, que andam sempre com uma sombra. A sombra era quase sempre Louise, minha irmã mais nova.

Louise, três anos mais nova, passou a ser uma agente do Tom Cruise cuja missão era me proteger. Ela comia comigo, dormia comigo e quando não satisfeita, me perguntava umas trinta vezes ao dia se estava bem e se queria alguma coisa. Louise não tinha culpa de nada que aconteceu, mas ela foi o meu Judas. Descontei em minha irmã toda raiva e mágoa que senti. Ela conheceu o meu pior lado, a ogra que habitava o meu pântano interior.

Não fui uma boa irmã nesse período, me sinto culpada. Quando a razão começou a bater na porta outra vez, passei a ficar em silêncio. Prometi que não descontaria minha dor em mais ninguém, e da garota revoltada e agressiva, passei a fantasma se arrastando de pijama e meias pela casa.

Magra e pálida, comia o que colocavam no prato. Se era carne ou ração não saberia dizer. Vivia no meu mundinho da maneira mais egoisticamente possível, sem reagir a nada ou a ninguém. Desde o dia fatídico eu não sabia mais o quer era chorar ou sorrir. Eu só tolerava o dia e rezava para chegar a noite e dormir. Eu queria morrer, mas não assim, um pouquinho de cada vez.

Acordo um dia pela manhã com um cheiro característico, um cheiro bom, que depois de meses me faz sorrir timidamente. Levanto e coloco um moletom qualquer e me arrasto até a cozinha. E lá está ela com um bolo de cenoura nas mãos e um sorriso sem jeito nos lábios. Bolo de cenoura era golpe baixo e isso era coisa da Louise, que obviamente havia se juntado ao lado negro da força. E ela continuava lá, com aquele jeito sem jeito, meio nervosa, meio rindo: a minha avó com açúcar e afeto.

Não sei se devo abraçá-la ou não. E pela primeira vez em tempos fico com vergonha do meu moletom Rock Café manchado e do cabelo de Pedrita. Chego a pensar que ela vai me alcançar um osso para enrolar na franja, então vejo que seus olhos estão úmidos. Mas ela é uma mulher prática e não se intimida. Me manda tomar um banho, trocar de roupa e arrumar o cabelo.

Quase com um andróide olho para minha avó e concordo com a cabeça. Saio correndo como uma maluca e subo as escadas dois degraus de cada vez. Eu queria viver, queria muito viver. E tinha pressa.

Para desespero de todos vovó veio decidida a me levar para sua casa de campo, como ela chamava a pequena propriedade a 20 minutos do centro da cidade. E depois de muita conversa e discussão, acusações mútuas entre mãe e filha, pitacos de meu pai e histeria de Louise, a matriarca bateu o martelo: eu iria e ponto final.

Mamãe me abraçava e chorava como se eu fosse para Bósnia em plena guerra civil ou como se eu nunca tivesse morado sozinha. Será que ela não lembra de como essa história começou? Eu, um noivo, um apartamento e um casamento marcado para novembro?

Minha avó jurou pelos doze apóstolos e Nossa Senhora da Medianeira que me cuidaria como um lobo, me encheria de carne gorda e leite, e deixou a promessa de que em quatro semanas me devolveria redonda e rosada como uma camponesa.

O que mais eu poderia fazer se não segurar a sua mão e agarrar a oportunidade que ela me dava?

Fomos em silêncio até a Granja Real, como Louise e eu a chamávamos. Naquele tempo me sentia uma princesa da realeza. E quantas lembranças maravilhosas desse lugar, que tinha rio, cavalos e um cheiro único: cheirinho de felicidade.

Desço da caminhonete velha dos meus avós e vovó sai apressada para preparar o jantar. Meu avô está esperando em frente à casa e nos olhamos em silêncio. Sabemos que ‘aquele’ assunto é proibido e só me magoaria, mas não sabemos sobre o que mais falar. Ele me dá um livro do Pablo Neruda e diz para ler com carinho, porque ele fala de amor. Desde criança meu avô me presenteia com livros, todos sublinhados, com asteriscos, flechas e comentários. É um jeito de me dizer o que pensa e dizer que se importa comigo. Com os poemas de Pablo Neruda não poderia ser diferente. Lá estão as marcações, só que agora coloridas.

Ele senta na cadeira que está na varanda e faz um sinal para me aproximar e sentar em seu colo. Sinto-me meio velha para fazer essas coisas, mas aceito seu convite, sentando com cuidado. Ele me puxa para mais perto e eu encosto a cabeça no seu peito. Como uma criança ele me embala, e então aquilo acontece. Como uma chuva de verão as lágrimas começam a rolar de mansinho, aquelas lágrimas presas desde o dia que decidi morrer. Era a minha chuva simbólica lavando a alma.

Agora as lágrimas ficam mais grossas e choro soluçando. Entre raios e trovões a tempestade toma conta de mim. Me agarro ao meu avô como que procurando limites, como se a minha vida dependesse disso. Minha avó nos abraça por trás e dá batidinhas no meu braço, sinalizando que tudo acabaria bem.

Ficamos assim, abraçados em silêncio, dividindo a minha tristeza e compartilhando todo amor que existe entre nós.

Agora sim, estou limpa, estou viva e pronta para recomeçar.

(Continua...)

2 comentários:

  1. RSRSRS A ESCRITORA DE TEXTOS MELANCÓLICO ROMÂNTICO!
    Desisto ñ peço mais p vc escrever um pouquinho heheh brincadeiras á parte! espero cenas do próximo capitulo tá?,bjos

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  2. Lindo, profundo, angustiante e com cheirinho de bolo depois da chuva!
    Bjus.. Adorei.. Aguardo o próximo trecho!.

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