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Chá dos 3

quinta-feira, 17 de março de 2011

Sobre loucura, sobre camisas rosas


Ele era bonito de um jeito simples, era interessante e usava uma camisa rosa. Mas de todas as suas qualidades, a que ela mais gostava é de que ele era seu marido.

No começo o lance do rosa era até um charme. Ela adorava o ver bonito e chamando a atenção da mulherada. Mas com o tempo e o assédio feminino a brincadeira perdeu a graça e a camisa rosa virou paranóia.

Toda vez que ele saia com a maldita camisa ela começava a imaginar coisas. As colegas de trabalho elogiando. Desconhecidas lançando olhares furtivos. Solteiras flertando e piscando maliciosamente.

Isso era loucura. Ela sabia. Não podia evitar.

Secretamente se imaginava manchando a camisa, cortando-a com a tesoura, queimando com o ferro de passar. Mas não podia fazer isso. Fez melhor: escondeu a camisa e só a liberaria quando ele usasse com ela.

Nos primeiros tempos ele não se importou e até achou divertido o ciúme dela, mas agora isso não fazia mais sentido e ele queria a camisa de volta. E a teve. A contragosto.

Mas a devolução da camisa tirou a paz dela. Passou a ter sonhos com camisas. Acordava sobressaltada, suando frio. Estava ficando obsessiva. A camisa a estava vencendo.

Ela só podia estar louca mesmo. A camisa nem era um ser vivo!

A história foi tão longe que ele pediu o divórcio.

Explicou, com todo o jeito, que não tinha nada contra ela, inclusive a amava, mas do jeito que estava não dava mais.

Foi aí que ela se revoltou. Que ele pelo menos tivesse a decência de inventar um motivo melhor. Que a traísse com outra mulher. Que a chamasse de burra. Que a acusasse de egoísta. Se fosse preciso, que criasse um motivo. Era até ofensivo pedir o divórcio falando a verdade.

Quem ele pensa que é? Um samaritano, um franciscano, um tibetano?

Era um idiota, isso sim.

Como ela casou com um sujeito assim? Com tantos mentirosos no mundo ela foi se envolver justamente com um sincero?

Ela não queria verdade nenhuma. Ele que usasse a verdade dele com ele mesmo, com os amigos, com o analista.

Como toda mulher moderna ela tomou a única decisão cabível numa situação dessas.

Se ainda havia amor, o divórcio não era uma hipótese.

Estava decidido: tentariam recomeçar.

Ela abriria mão das reclamações, de suas melhores qualidades, suportaria toalha molhada e todas as condições que ele impusesse; mas de duas coisas não abriria mão: a camisa rosa ficaria sob sua jurisdição e as verdades seria inventadas, para não ferir ninguém.

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