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Chá dos 3

segunda-feira, 21 de março de 2011

Tênis


Antigamente o tênis era um calçado modesto, de desenho tão simples que passava despercebido. Mas então o tênis mudou: nova tecnologia, novo design (só a Nike tem 300 modelos), formas e cores arrojadas, preços correspondentemente elevados, sómbolo de status, inclusive, o tênis cresceu em importância. Até o trágico: já se mata por um par de tênis, como aconteceu com o garoto Fábio Comune, de 14 anos, baleado por um marginal em São Bernardo, porque não quis entregar seu tênis.
A primeira reação diante de um caso destes é pedir a pena de morte. É o que faria qualquer pai ou mãe, principalmente tendo filhos nesta idade. Isto se não pensasse em fazer justiça com as próprias mãos. Mas, depois dessa primeira reação, que é automática, convém pensar um pouco, com menos automatismo.
O caso do infeliz Fábio não é o unico. O roubo do tênis é muito frequente, assim como é o roubo de mochilas, de relógios de roupas. Ao redor das escolas, privadas ou públicas, gravitam bandos de pivetes, que, nessa terra de ninguém, se iniciam na criminalidade. A reação de pais e responsáveis tem sido uniforme: mais guardas, mais muros, mais grades, mais advertências aos filhos. Que assim estão verdadeiramente sitiados, e amedrontados.
Mas será que não está na hora de pensar em outro tipo de solução? Será que não é tempo de pensar nos pivetes como crianças, que querem exatamente o que outras crianças querem, só que sem esperança de o conseguir? Lembro da frase de um amigo, o microbiologista Jorge Ossanai. Referindo-se às bactérias que causam intoxicação alimentar, ele dizia: o problema é que esses micróbios gostam dos mesmos alimentos que nós. A questão é partir do problema para a solução. Por que não falar com os pivetes? Por que não convidá-los, eventualmente, para a escola? Por que não lhes oferecer os tênis - e os brinquedos, e as revistas em quadrinhos - que as crianças da classe média tantas vezes jogam fora?
Esta idéia pode ainda não ter chegado ao seu tempo. Mas, no conflito com o outro, o jeito é se colocar nos sapatos - ou no tênis - do outro. O que só poderá acontecer se o outro tem sapatos. Ou tênis.

(Moacyr Scliar)

Jornal ZERO HORA - Seção "Opinião". p. 5, 13

E sabe o que é mais triste nisso tudo? É que a primeira vez que li esse texto foi lá no ano de 2000, numa prova de português, quando as provas ainda eram datilografadas!
E não foi por a prova ser datilografada que eu fiquei triste, caso a frase tenha ficado dúbia.

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